‘Não vim aqui para assistir a filme gay’: reações conservadoras a cenas de ‘Praia do Futuro’


A estreia do filme “Praia do Futuro” em circuito nacional, na última quinta-feira, tem provocado reações surpreendentes na plateia brasileira. E elas vão muito além da simples aprovação ou não ao longa. A produção brasileira, que traz a assinatura de Karim Aïnouz, tem sido, em algumas cidades, alvo de forte rejeição às cenas de sexo entre os personagens centrais, vividos pelo brasileiro Wagner Moura e pelo alemão Clemens Schick. A relação entre os personagens Donato e Konrad leva dezenas de pessoas a deixar as salas de exibição em lugares como Niterói, no Grande Rio, e São Luís, no Maranhão. Especialistas atribuem as reações ao conservadorismo da população do país, onde a aceitação ao amor entre homens ainda é longe da ideal.

Na noite do último domingo, por exemplo, o incômodo com as cenas envolvendo Moura, o viril Capitão Nascimento da série “Tropa de elite”, levou nada menos que 42 pessoas a deixarem uma sala de cinema em Niterói, conforme informou anteontem Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO. A jornalista Vivian Fernandez testemunhou o caso e se chocou com o que viu:

— Na segunda cena, começou todo mundo a se levantar. Achei estranho e comecei a contar. Duas meninas, de cerca de 25 anos, diziam “não vim aqui para assistir a filme gay”. Fiquei chocada, eu realmente fico sem entender o que leva uma pessoa a fazer isso.


Crítico presencia debandada

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Na capital maranhense a história se repetiu. Numa sessão do filme na noite de terça-feira, a mais nova performance de Wagner Moura, agora na pele de um salva-vidas, também não agradou a parte do público. Numa sala com cerca de 40 pessoas, mais da metade debandou depois de testemunhar as cenas. O crítico de cinema Márcio Sallem assistiu a tudo e conta que, na primeira cena de amor entre Konrad e Donato, houve alguns comentários agressivos. A senha para a saída de cerca de 25 espectadores foi, de novo, a segunda cena entre o casal.

— Ficou muito claro que eles saíram por causa da temática LGBT. O que as pessoas acham que é a sala de cinema? Um bufê? — provoca o crítico.

A inquietação nas cadeiras das salas de exibição do Brasil e uma repercussão também negativa, apesar de pontual, nas redes sociais, suscitam a velha questão sobre a postura conservadora do público e, de novo, sobre o preconceito. O brasileiro estaria pronto para assistir a cenas tão abertas entre dois homens, principalmente quando um deles é um ator célebre por papéis ultramasculinos?

Karim Aïnouz tenta minimizar a polêmica. Ele diz que a rejeição é “insignificante”, mas admite que as reações podem mostrar a “temperatura da homofobia no público que frequenta o cinema”.

— Ficamos tristes porque a intolerância e o preconceito são manifestações muito tristes da alma humana, e elas em geral são frutos da ignorância, assim como o fascismo e o racismo — destaca.

Questionado sobre o contraste entre a aceitação do público a filmes como o violento “Tropa de elite” e centenas de produções hollywoodianas, a parcial repulsa ao amor gay exposto em “Praia”, ele lamenta:

— Ver um filme onde um monte de gente morre, onde há violência e tiros para cima e para baixo não tem problema. Mas uma história de amor tem? Do que essas pessoas têm medo?

‘Tapa na cara dos retrógrados’

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O organizador do Cineclube LGBT Aleques Eiterer, que exibiu o longa em pré-estreia no dia 9 de maio no Rio “com ótima receptividade”, não tem dúvidas de que o caso traz embutido um forte preconceito. Para ele, incomoda particularmente ver o ator que viveu o brutal Capitão Nascimento na pele de um homossexual.

— É ótimo que ele tenha aceitado fazer o filme e tenha dado um tapa na cara dos retrógrados — afirma Eiterer.

As lideranças de movimentos LGBT também reagiram mal a mais uma polêmica envolvendo homossexuais. O coordenador do movimento Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento, critica o fato de cenas de sexo heterossexuais não provocarem tamanho barulho:

— O que existe é a negação da possibilidade do afeto entre dois homens, as pessoas não querem entender os desejos de quem lhes é diferente, daí o estranhamento.

A vice-presidente do Grupo Arco-Íris, Marcelle Esteves, lamenta “tamanho retrocesso” e se diz surpresa que fatos como esses sejam registrados em pleno ano de 2014:

— Isso acontece porque é um filme com dois homens, né? Vemos o quanto a sociedade não consegue lidar com relações homossexuais e sabemos que a questão das religiões fundamentalistas ajuda a arraigar o atraso.

Fonte: O Globo


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